plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio


Festa da democracia?
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Um aspecto despertou a minha atenção entre os preparativos para a nossa - pouco democrática - festa da democracia. Aliás, de festa também não tem quase nada, porém, serve como metáfora para a construção deste texto. Mas essa discussão pode ficar para um outro momento. Continuando: possivelmente por lecionar na área da propaganda e, principalmente, da criatividade, sei bem que campanha política nunca foi oásis de inventividade, mas neste ano me pareceu ainda mais monótona, com algumas exceções.

R.S.V.P

Nossa popular "festa da democracia" aconteceu em meio a uma pandemia, a uma crise econômica, com campanhas um tanto quanto caídas. Uma festa daquelas em que a comida não é boa ou é pouca, a música é ou alta demais, baixa demais, ou desafinada. Daquelas em que se é para dançar, todo mundo fica sentado e se é de ficar sentado, alguns mais empolgados se levantam e dançam. Neste ano, a "festa da democracia" foi pouco convidativa.

RESSACA

O contexto de isolamento social, que parecia, ao mesmo tempo, oferecer muitas restrições ao período de busca por votos, me despertava a curiosidade de saber o quanto o desafio de fazer campanha nessas condições promoveria saídas criativas. Expectativa frustada: bandeiraços, carreatas e santinhos que se acumulavam nas caixas de correio foram novamente as estratégias. Discursos recheados de frases feitas e emitidos no costumeiro tom de voz político, que eu custo a acreditar que ainda possa ser convincente.

DE FURO

Signos, tanto à esquerda, quanto à direita, maltratados por uma cena política nacional que amarga o fato de, nas últimas eleições presidenciais, ter sido ludibriada pelo lodo das fake news, pelo verde amarelo nada patriótico e por uma linguagem quase caseira. Por sua vez, a esquerda viu sua estética mais elaborada, com fotografias belíssimas em preto e branco, passar a ser considerada pouco verossímil diante da rusticidade, da quase tosquice, dos signos da propaganda política da extrema direita. Parece que os animadores da "festa da democracia" perderam um pouco a mão e a pista ficou vazia.

UM LADO BOM

Mas festa é festa, e um lado bom há de ter. Nesse caso, a embriaguez que gerou o resultado das últimas eleições presidenciais parece estar dando lugar a um estado de mais lucidez. Assim, no apagar das luzes do salão e com alguém já empilhando as cadeiras, percebo certa empolgação à esquerda da pista. E, aparentemente, a festa deste ano abre caminho para próximas edições bem mais animadas.

Todos morremos um dia
Eni Celidonio 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Há um filósofo da linguagem que afirma que todas as palavras são direcionadas a alguém e são de alguém. E dizer palavras próprias - as que pertencem a alguém - só é possível em resposta a algo que foi dito antes de nós, ou seja, não somos originais no dizer, simplesmente repetimos algo que já foi dito antes, mas em contextos diferentes.

Quantas vezes ouvimos afirmações que já ouvimos antes? Eu vou mostrar como isso funciona com um exemplo bem simples.

Temos ouvido muito por aí que todos nós morremos um dia, que não existe imortalidade, que todos morrem, querendo ou não, com Covid-19 ou não, católico ou não... Não é uma afirmação inédita, isso já foi ouvido antes em algum lugar, em algum contexto.

Pois bem, eu estava numa aula há uns dez anos, quando lecionava Literatura Infantil no Curso de Pedagogia da UFSM. Eu trabalhava um poema da Cecília Meirelles:

O CAVALINHO BRANCO

À tarde, o cavalinho branco

Está muito cansado:

mas há um pedacinho de campo

Onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina

loura e comprida

E nas verdes ervas atira

sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes

e ele ensina aos ventos.

A alegria de sentir livres

Seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!

Desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,

De crina dourada!

Expliquei aos alunos que poemas admitem várias leituras possíveis. Este, por exemplo, nos dá duas opções: ou o cavalinho foi descansar depois de um dia de trabalho, ou se levarmos em consideração que "seu relincho estremece as raízes" e ele "descansa entre as flores" enquanto "nas verdes ervas atira a sua branca vida", é possível que ele possa ter morrido. Mas deixei claro que eles não devem mostrar essa segunda opção às crianças, no entanto, eles devem saber disso, eles precisam jogar com essa possibilidade.

Passou um tempo e um aluno veio me dizer que eu arrumei um problemão pra ele, que ele tomou uma bronca da Supervisora Pedagógica e isso e aquilo... Ele fazia estágio numa pré-escola, trabalhava com crianças pequenas e resolveu trabalhar o Cavalinho Branco com eles. E explica daqui, explica dali, ele faz exatamente o que eu disse que ele não deveria fazer: disse que era possível que o cavalinho tivesse morrido. Uma menina logo começou a chorar, e como tudo que está ruim pode piorar, ele explicou: "É a vida! Todos morremos! Seu pai vai morrer, sua mãe vai morrer, todo mundo vai morrer"! Pronto! Se só uma menininha chorava, agora era a turma toda. Foi um horror! Eram várias crianças berrando! E a culpa era minha!

Eu espero que ele tenha mudado de curso, porque, decididamente, trabalhar com criança pequena não é a praia dele mesmo.



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